quarta-feira, 6 de agosto de 2008

ENTRE A MAGIA E O VIRTUAL (85)




E quando a rainha finalmente rebaixou para profana a dançarina sagrada, a terra tremeu para as que, como ela, precisavam de benção para os movimentos do corpo, pois não sabiam ainda que a percepção da alma se conquista de vários modos, incluindo o sexo, e que a sensualidade não era erro nem pecado, apenas situação inevitável de quem não encontrou uma forma de somar sem recusar o sonho de fazê-lo por escolha, não pela angústia do vazio ou expectativa dos outros.



Os fatos da vida são assim, aprisionados na invisibilidade cruel dos preconceitos, que saltitam em todos os poros de nossa memória, dirigindo os rumos do instante para o nada que coíbe a disposição para o abraço e, é claro, para o medo, circunspeto e circunciso, de não representar o que alguém espera do momento de nossa entrega, que, portanto não ocorre, dando ao ato apenas o sabor indefinido de algo que podia ter sido e não foi, envolto na probabilidade de nunca ser, por jamais desnudo, mais que isso - sombra de uma hipótese que se desvanece para sempre -, negando haver em si qualquer noção de eternidade.



E a quem não vê por manter fechados os olhos, a escuridão passa a ser trevas e a luz da existência, clara ao ponto de mostrar-se óbvia, se torna um mistério guardado por abstratos dragões imaginários, porém ferozes, principalmente para os que optaram pelo ilusório e adotaram somente a parte injuriosa da lenda, esquecendo que, no mito, os corações deles, titãs voadores, não eram casa para o pavor, mas sim do segredo da cura – o calor do amor efetivando, sobre o ódio, todo poder do fogo da transformação, vívido na respiração do mundo.



Aqui, na encruzilhada natural dos caminhos, viajeiros demais fazem paradas, menos para repouso e mais para lucidificar o instinto, selecionando entre as alternativas a que possa dar continuidade ao processo de evolução de cada um, garantindo maior leveza na bagagem quando for para escalar, sem chance de retorno, as escarpas de si mesmo, chegando ao cume e presenciando, do outro lado, o próprio auto-retrato despido de mentiras e capaz, se necessário, de declamar o poema gravado no seu peito com voz firme e sensibilidade de intérprete.



Será assim que os Senhores do Acaso ouvirão, finalmente, uma versão pessoal de seu destino, temperada por sua coragem, alegria, definição e decisão de construir uma rota com a sua caligrafia, dando às Nornes um estilo na tecelagem, mensuração e corte da estrutura quântica da vida, utilizando o princípio da incerteza para lhe dar uma chance permanente de ser, ao mesmo tempo, uma explicação do inexplicável e um dar de ombros, singelo e sincero, que diga sem palavras o tamanho relativo do Todo, independente de tudo.



Como equacionar a extrema fragilidade das respostas, que desconhecem a circunstância, lisura e astúcia do Incriado na apresentação do jogo de perguntas?



É provável que, enfim, números irreais se manifestem em conjunto, formatando hipóteses que percorrerão como uma onda de energia todas as chances pensadas – pesadas - pelo ser e pelo não ser nas esquinas cósmicas onde a mente vagueia e incendeia todas as probabilidades, de menor e maior esforço, que cercam nas dimensões cada mícron em que se insere a vida, no aguardo de um sim da consciência para nos ocupar a percepção e mente.



E o que tem com isso minha paixão por ela, ou a dela dirigida a mim, onde a agonia e a pressa estão pedindo, já, a satisfação de todos os desejos de uma e do outro – talvez, até, de um eu que não seja aquele que atua agora -, sem conhecer meandros ou mecanismos, sólidos ou diáfanos, que expliquem um Onde-Quando-Como inadmissível frente à exigência de um resultado imediato?



E eis aí mais uma indagação premiada com o silêncio, não por sua complexidade intelectual ou lição profunda, mas simplesmente porque não vale a pena debater o que não importa absolutamente para o Todo, mesmo que o inseto barulhento seja um homem com as roupagens que julga ser de sabedoria, mas que salientam unicamente a ignorância e o egolatrismo de paraplégicos emocionais que não compreendem, por falta de discernimento e paralisia total dos sentimentos, que posição ocupam no inventivo universo do Criador, e demonstram igual incompetência para saberem porque, no frigir dos ovos, são só mediocridade e destruição numa realidade em que a sofisticação, firmeza e refinamento do amor apresentam uma certeza matemática de serem meta, essência e dinamismo do planeta, das espécies e de tudo que nos cerca, há e se permite haver.



As coisas são o que são, e não o que pretendemos que sejam, e nossa pretensa semelhança com o Pai, considerando o modo de agir dos companheiros de aventura, está muito mais para o anedotário do que para dedicatória em livros de oração.



Isso quer dizer que nossa própria noção do que é amor, solidariedade e compaixão é uma piada grosseira, eivada de condições, individualismos, interesses grupais e também – por que não? – desta esfacelada ingenuidade fundamentada não na inocência, mas na cretinice, onde a alma, obviamente prejudicada pelos incontáveis desajustes de seu aparelho perceptivo – quase todos por desconhecermos quais botões existem na máquina e para que servem - esboça toscos desenhos infantis para tentar esclarecer quem é o que quer, para no final desistir e espetar, com estrondo, um sorvete na testa do espírito, pouco se lixando, de tanto desalento, se o ectoplasma empregado na operação tem de fato procedência paraguaia.



E no meio disso tudo a dançarina, ungida em seu hoje de profana, não percebe que agora está sagrada como nunca, e que os contatos feitos como fêmea enamorada são conceitos espirituais muito mais fortes do que os mistérios protegidos pelos rituais que dependem de um enlevo especial, uma expressão censurada do que está atrás do arcabouço dos arquétipos, e que o planejamento matou nela a riqueza da impureza básica da procura humana, tigrina e lebre que se caçam uma a outra, sem ligar aos paradoxos, e vivenciam, experimentando seus inversos, o que são as cordas ultra-dimensionais que seguram o circo.



Enquanto isso, passeando entre a magia e o virtual da minha dúvida, capto dentro dela a semente de meu amanhã, aprendendo o que é ser hoje para me dar, desabrochando, um novo dia integralmente.



Hugo Leal

Nenhum comentário: